Na hora de receber alunos com deficiência na escola, é comum enfrentar grades dilemas. Veja como solucioná-los e conheça três gestoras que fazem de suas escolas um lugar para todos.
Noêmia Lopes, de Joinville, SC e-mail: nlopes@abril.com.br
Um desenho feito com uma só cor tem muito valor e significado, mas não há como negar que a introdução de matizes e tonalidades amplia o conteúdo e a riqueza visual. Foi a favor da diversidade e pensando no direito de todos de aprender que a Lei nº 7.853 (que obriga todas as escolas a aceitar matriculas de alunos com deficiência e transforma em crime a recusa a esse direito) foi aprovada em 1989 e regulamentada em 1999. Graças a isso, o numero de crianças e jovens com deficiência nas salas de aula regulares não para de crescer: em 2001, eram 81 mil; em 2002, 110 mil; e 2009, mais de 386 mil – aí incluídas as deficiências, o Transtorno Global do Desenvolvimento e as altas habilidades.
Hoje, boa parte das escolas tem estudantes assim. Mas você tem certeza de que oferece um atendimento adequado e promove o desenvolvimento deles? Muitos gestores ainda não sabem como atender às demandas especificas e, apesar de acolher essas crianças e jovens, ainda têm dúvidas em relação à eficácia da inclusão, ao trabalho de convencimento dos pais (de alunos com e sem deficiência) e da equipe, à adaptação do espaço e dos materiais pedagógicos e aos procedimentos administrativos necessários.
Para quebrar antigos paradigmas e incluir de verdade, todo diretor tem um papel central. Afinal, é da gestão escolar que partem as decisões sobre a formação dos professores, as mudanças estruturais e as relações com a comunidade. Nesta matéria você encontra respostas para as 24 dúvidas mais importantes sobre a inclusão, divididas em seis blocos.
GESTÃO ADMINISTRATIVA
1- Como ter certeza de que um aluno com deficiência está apto a freqüentar a escola?
Aos olhos da lei, essa questão não existe – todos têm esse direito. Só em alguns casos é necessária uma autorização dos profissionais de saúde que atendem essa criança. É dever do estado oferecer ainda uma pessoa para ajudar a cuidar desse aluno e todos os equipamentos específicos necessários. “Cabe ao gestor oferecer as condições adequadas conforme a realidade de sua escola”, explica Daniela Alonso, psicopedagoga especializada em inclusão e selecionadora do Premio Victor Civita – Educador Nota 10.
2- As turmas que têm alunos com deficiência devem ser menores?
Sim, pois grupos pequenos (com ou sem alunos de inclusão) favorecem a aprendizagem. Em classes numerosas, os professores encontram mais dificuldade para flexibilizar as atividades e perceber as necessidades e habilidades de cada um.
3- Quantos alunos com deficiência podem ser colocados na mesma sala?
Não há uma regra em relação a isso, mas em geral existem dois ou, em alguns casos, três por sala. Vale lembrar que a proporção de pessoas com deficiência é de 8 a 10% do total da população.
4- Para tornar a escola inclusiva, o que compete às diversas esferas de governo?
“O governo federal presta assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios para o acesso dos alunos e a formação de professores”, explica Claudia Pereira Dutra, secretária de Educação Especial do Ministério da Educação (MEC). Os gestores estaduais e municipais organizam sistemas de ensino voltados a diversidade, firmam e fiscalizam parecerias com instituições especializadas e administram os recursos que vêm do governo federal.
GESTÃO DA APRENDIZAGEM
5- Quem tem deficiência aprende mesmo?
Sem dúvida. Sempre há avanços, seja qual for a deficiência. Surdos e cegos, por exemplo, podem desenvolver a linguagem e o pensamento conceitual. Crianças com deficiência mental podem ter mais dificuldade para se alfabetizar, mas adquirem a postura de estudante, conhecendo e incorporando regras sociais e desenvolvendo habilidades como a oralidade e o reconhecimento de sinais gráficos. “É importante entender que a escola não deve, necessariamente, determinar o que e quando esse aluno vai aprender. Nesses casos, o gestor precisa rever a relação entre currículo, tempo e espaço”, afirma Daniela Alonso.
6- Ao promover a inclusão, é preciso rever o projeto político pedagógico (PPP) e o currículo da escola?
Sim. O PPP deve contemplar o atendimento à diversidade e o aparato que a equipe terá para atender e ensinar a todos. Já o currículo deve prever a flexibilidade das atividades (com mais recursos visuais, sonoros e táteis) para contemplar as diversas necessidades.
7- Em que turma o aluno com deficiência deve ser matriculado?
Junto com as crianças da mesma idade. “As deficiências física, visual e auditiva não costumam representar um problema, pois em geral permitem que o estudante acompanhe o ritmo da turma. Já os que têm deficiência intelectual ou múltipla exigem que o gestor consulte profissionais especializados ao tomar essa decisão”, diz Daniela Alonso. Um Aluno com síndrome de Down, por exemplo, pode se beneficiar ficando com um grupo de idade inferior á dele (no máximo, três anos de diferença). Mas essa decisão tem de ser tomada caso a caso.
8- Alunos com deficiência atrapalham a qualidade de ensino em uma turma?
Não, ao contrário. Hoje, sabe-se que todos aprendem de forma diferente e que uma atenção individual do professor a determinado estudante não prejudica o grupo. Daí a necessidade de atender as necessidades de todos, contemplar as diversas habilidades e não valorizar a homogeneidade e a competição.
9- Como os alunos de inclusão devem ser avaliados?
De acordo com os próprios avanços e nunca mediante critérios comparativos. Esse é o modelo adotado na EM Valentim João da Rocha, em Joinville, a 174 quilômetros de Florianópolis. “Os professores devem receber formação para observar e considerar o desenvolvimento individual, mesmo que ele fuja dos critérios previstos para o resto do grupo”, explica Rossana Ramos, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Quando o estudante acompanha o ritmo da turma, basta fazer as adaptações, como uma prova em braile para os cegos.
10- A nota da escola nas avaliações externas cai quando ela tem estudantes com deficiência?
Em principio, não. Porem há certa polêmica em relação aos casos de deficiência intelectual. O MEC afirma que não há impacto significativo na nota. Já os especialistas dizem o contrário. Professores costumam reclamar disso quando o desempenho da escola tem impacto em bônus ou aumento salarial. “O ideal seria ter provas adaptadas dentro da escola ou, ao menos, uma monitoria para que os alunos pudessem realizá-las. Tudo isso, é claro, com a devida regulamentação governamental”, defende Daniela Alonso. Enquanto isso não acontece, cabe aos gestores debater essas questões com a equipe e levá-las a Secretaria de Educação.
GESTÃO DE EQUIPE
11- É possível solicitar o apoio de pessoal especializado?
Mais do que possível, é necessário. O aluno tem direito a Educação regular em seu turno e ao atendimento especializado com contraturno, responsabilidade que não compete ao professor de sala. Para tanto, o gestor pode buscar informações na Secretaria de Educação Especial do MEC, na Secretaria de Educação local e em organizações não governamentais, associações e universidades. Além do atendimento especializado, alunos com deficiência têm direito a um cuidador, que deve participar das reuniões sobre o acompanhamento da aprendizagem, como na EMEF Luiza Silvina Jardim Rebuzzi, em Aracruz, a 79 quilômetros de Vitória.
12- Como integrar o trabalho do professor ao do especialista?
Disponibilizando tempo e espaço para que eles se encontrem e compartilhem informações. Essa integração é fundamental para o processo de inclusão e cabe ao diretor e ao coordenador pedagógico garantir que ela ocorra nos horários de trabalho pedagógico coletivo.
13- Como lidar com as inseguranças dos professos?
Promovendo encontros de formação e discussões em que sejam apresentadas as novas concepções sobre a inclusão (que falam, sobretudo, das possibilidades de aprendizagem). “O contato com teorias e práticas pedagógicas transforma o posicionamento do professor em relação à Educação inclusiva”, diz Rossana Ramos. Nesses encontros, não devem ser discutidas apenas características das deficiências. “Apostamos pouco na capacidade desses alunos porque gastamos muito tempo tentando entender o que eles têm, em vez de conhecer as experiências pelas quais já passaram”, afirma Luiza Russo, presidente do Instituto Paradigma, de São Paulo.
14- Como preparar os funcionários para lidar com a inclusão?
Formação na própria escola é a solução, em encontros que permitam que eles exponham dificuldades e tirem dúvidas. “Esse diálogo é uma maneira de mudar a forma de ver a questão: em vez de atender essas crianças por boa vontade, é importante mostrar que essa demanda exige a dedicação de todos os profissionais da escola”, diz Liliane Garcez, da comissão executiva do Fórum Permanente de Educação Inclusiva e coordenadora de pós-graduação de Inclusão no Centro de Estudos Educacionais Vera Cruz (Cevec). È Possível também oferecer uma orientação individual e ficar atento às ofertas de formação das Secretarias de educação.
GESTÃO DA COMUNIDADE
15- Como trabalhar com os alunos a chegada de colegas de inclusão?
Em casos de deficiências mais complexas, é recomendável orientar professores e funcionários a conversar com as turmas sobre as mudanças que estão por vir, como a colocação de uma carteira adaptada na classe ou a presença de um intérprete durante as aulas. Quando a inclusão esta incorporada ao dia a dia da escola, esses procedimentos se tornam menos necessários.
16- O que fazer quando o aluno com deficiência é agressivo?
A equipe gestora deve investigar a origem do problema junto aos professores e aos profissionais que acompanham esse estudante. “Pode ser que o planejamento não esteja contemplando a participação dele nas atividades”, afirma Daniela Alonso. Nesse caso, cabe ao gestor rever com a equipe a proposta de inclusão. Se a questão envolve reclamações de pais de alunos que tenham sido vítimas de agressão, o ideal é convidar as famílias para uma conversa.
17- O que fazer quando a criança com deficiência é alvo de bullyng?
É preciso elaborar um projeto institucional para envolver os alunos e a comunidade e reforçar o trabalho de formação de valores.
18- Os pais precisam ser avisados que há um aluno com deficiência na mesma turma de seu filho?
Não necessariamente. O importante é contar às famílias, no ato da matricula, que o PPP da escola contempla a diversidade. A exceção são os alunos com quadro mais severo – nesses casos, a inclusão dá mais resultado se as famílias são informadas em encontros com professores e gestores. “Isso porque as crianças passam a levar informações para casa, como a de que o colega usa fralda ou baba. E, em vez de se alarmar, os pais poderão dialogar”, diz Daniela Alonso.
19- Como lidar com a resistência dos pais de alunos sem deficiência?
O argumento mais forte é o da lei, que prevê a matricula de alunos com deficiência em escolas regulares. Outro caminho é apresentar a nova concepção educacional que fundamenta e explica a inclusão como um processo de mão dupla, em que todos, com deficiência ou não, aprendem pela interação e diversidade.
20- Uma criança com deficiência mora na vizinhança, mas não vai à escola. O que fazer?
Alertar a família de que a matricula é obrigatória. Ainda há preconceito, vergonha e insegurança por parte dos pais. Quebrar resistências exige mostrar os benefícios que a criança terá e que ela será bem cuidada. É o que faz a diretora da EM Osório Leônidas Siqueira, em Petrolina, a 765 quilômetros do Recife. Os períodos de adaptação, em que os pais ficam na escola nos primeiros dias, também ajudam. Se houver recusa em fazer a matrícula, é preciso avisar o Conselho Tutelar e, em ultimo caso, o Ministério Público.
GESTÃO DO ESPAÇO
21- Como preparar os vários espaços da escola?
Ao buscar informações nas Secretarias de Educação e instituições que apóiam a inclusão, cabe ao gestor perguntar sobre tudo o que está disponível. O MEC libera recursos financeiros para ações de acessibilidade física, como rampas e elevadores, sinalização tátil em paredes e no chão, corrimões, portas e corredores largos, banheiros com vasos sanitários, pias e toalheiros adaptados e carteiras, mesas e cadeiras adaptadas. É fato, porém, que há um grande descompasso entre a demanda e a disponibilização dos recursos. O processo nem sempre é rápido e exige do gestor criatividade para substituir a falta momentânea do material.
22- Há diferença entre a sala de apoio pedagógico e de recursos?
A primeira é destinada a qualquer aluno que precise de reforço no ensino. Já a sala de recursos oferece o chamado Atendimento Educacional Especializado (AEE) exclusivamente para quem tem deficiência, algum transtorno global de desenvolvimento ou altas habilidades.
GESTAO DE MATERIAL E SUPRIMENTOS
23- É preciso ter uma sala de recursos dentro da própria escola?
Se possível, sim. A lei diz que, no turno regular, o aluno com deficiência deve assistir às aulas na classe comum e, no contraturno, receber o AEE preferencialmente na escola. Existem duas opções para montar uma sala de recursos: a multifuncional (que o MEC disponibiliza) tem equipamentos para todas as deficiências e a específica (modelo usado por algumas Secretarias) atende a determinado tipo de deficiência. Enquanto a sala não for implantada, o gestor deve procurar trabalhar em parceria com o atendimento especializado presente na cidade e fazer acordos com centros de referência – como associações, universidades, ONGs e instituições conveniadas ao governo.
24- Como requisitar material pedagógico adaptado para a escola?
Áudio-livro, jogos, computadores, livros em braile e mobiliário podem ser requisitados à Secretaria de Educação local e ao MEC. “Para isso, é preciso que a Secretaria de Educação apresente ao MEC um Plano de Ações Articuladas”, explica Claudia Dutra.
« Assista a reportagem da TV SENTIDOS PALESTRA – ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM »
Achei interessante divulgar essa matéria publicada na revista Gestão Escolar (ano II- nº8, junho/julho2010) por ser esclarecedora em vários aspectos para quem está se iniciando na Inclusão ou mesmo a quem já a esteja praticando.
Parece um norte inicial para encaminhamento e diracionamento dos professores para as ações inclusivas.
Boa sorte!
Jobair